Numa manhã de inverno, a chuva fina batia na janela envidraçada daquele quarto embebido de luz âmbar que vinha de um abajur da escrivaninha. Linka estava sentada, o olhar perdido em lugar algum. Seus dedos deslizavam por uma folha de caderno amarelada sobre a mesinha de cabeceira, uma caneta-tinteiro repousava ao seu lado. Polus a observava calado, a barba cobria seu rosto impiedoso. Seus olhos estavam cheios de palavras mudas, essas que Linka bem conhecia. Foi quando ela arriscou:
- Devo abrir mão dos meus sonhos se quiser viver nesse mundo onde as coisas são reais somente se vivermos com os pés no chão. - Linka não acreditava em suas próprias palavras ao ponto de falar pausadamente cada uma delas como se de si estivessem sendo arrancado cada pedacinho da alma.
Polus continuou a observar. Calado. Digerindo o momento, mesmo com a resposta na ponta da língua, deixou que a amiga continuasse.
- Eu sei que parece loucura mas é que me falaram isso hoje, que devo abrir mão de meus sonhos se quiser viver uma vida real, se quiser sobreviver a esse mundo materialista.
O único barulho que se ouvia era da chuva contínua salpicando na janela, tudo estava em silêncio, era como se o redor espectasse, quando Polus enfim saiu de sua estadia, o barulho de seus passos entregava sua presença ao quarto. Firme, protetora, sábia...
Aproximou-se da folha que repousava na mesinha, tomou-a e pediu para que Linka transpassasse para ela cada sonho por menor que fosse, por maior que fosse, por mais louco que fosse. Tomou a caneta-tinteiro e fez menção a ela que obediente começou a escrever um a um, sonho por sonho. Parecia em transe enquanto escrevia, suas mãos estavam firmes, decididas e seus olhos fixos no papel como se sua vida dependesse daquilo; e de fato dependia sim. Entregou a folha escrita de cima a baixo para um Polus sorridente mas contido em seu ar lupino.
- Agora recorte cada palavra - disse ele decididamente deixando Linka ainda mais confusa - recorte cada uma e depois dobre-as uma a uma, como se fosse fazer um sorteio com elas.
Linka obedeceu, recortou cada palavra e dobrou cada pedacinho de papel com cuidado repousando-os em seguida na mesinha cor de musgo. - E agora? - Perguntou confusa _ o que faço com eles?
Polus respirou, aquela calma característica que dava nos nervos. O olhar de Linka não desviava do dele, queria enfim entender o por que de tudo aquilo
- Junte-os com suas mãos, pegue-os.
Linka obedeceu, acolheu os pedacinhos de papel da mesa e segurou-os como ele havia pedido.
- Agora, minha cara jovem, abra suas mãos com força.
Linka o observou, o coração começou a acelerar, sentia-o compulsivo ao seu peito
-ABRA!! ESTOU MANDANDO!!!
O eco de sua voz surtiu quente em seus ouvidos, era como se estivesse levando um soco do mundo.
- NÃO!!! - Disse ela enfim
- Abra agora essas mãos Linka, deixe que caiam, deixe que desapareçam debaixo do tapete, que voem pela janela, que se percam debaixo da cama. Eu estou mandando, é um conselho, por que não o está seguindo de cabeça baixa como fez quando os outros lhe "aconselharam"? Por que enfim não está me ouvindo como ouviu quando pessoas sem sonhos lhe disseram o que fazer? Por que agora você sentiu vontade de me desafiar? - Sua voz saia ameaçadora, mas ao mesmo tempo convicta, certeira - Eu sei por que, porque agora você tocou em cada um deles, você os segurou, os trouxe para si. Mas não é assim que deve agir; você não deve defender só o que pode tocar e ver, deve defender suas idéias porque elas são mais reais do que você imagina Linka, as suas ideias e ideais são o que fazem você ser o que você é e também chegar onde só você pode chegar. Acredite mais em si para que no final da vida não se arrependa de ter vivido em cima de uma mentira materialista e limitada de seres humanos comuns.
Linka chorava, não de tristeza mas de ter ouvido tudo que mais precisava. Guardou os pedacinhos de papel na gaveta e olhou pro amigovque sorridente mostrava a luz que entrava pela janela. A chuva havia passado assim como a sua incerteza. O tempo estava alaranjado e ela pode ver seus sonhos dançando pelos ares, certos de que seriam um a um explorados até o ultimo dia da sua vida não materialista.
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(Adriana N. do Amaral)
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Crônica baseada em meu livro A TRILHA MÁGICA onde os personagens Linka e Polus fazem parte
Perfeito srtª Adriana!!!
ResponderExcluirCurioso... é que sobre sonhos, sobre não desistir dele,
é que ouvi falar toda essa semana sabia?
Meus cumprimentos...
Quem dera se nós não desistíssemos dos nossos sonhos também a cada conselho que nos desencoraja. Desisti de muitos deles por ouvir as pessoas que não sonham, tornando-se o pesadelo da vida dos outros. Mas nunca mais farei isso!! Lindo texto, Dri. Adorei!!
ResponderExcluirMuito bom, Drii. Me fez lembrar um Frase de C.S Lewis: "Você não tem alma. Você é uma alma. Você tem um corpo". Sua crônica expressa muito bem essa ideia. Depois que conheci essa frase, mudei a forma de ver tanta coisa.
ResponderExcluirBrilhante seu trabalho, viu? Parabéns!
gente, de verdade, muito obrigada mesmo, as palavras de vcs aqui nos meus textos sempre são edificantes e me dão mais forças para querer escrever ainda mais, e vindo de vocês, eu fico por demais satisfeita ^^
ResponderExcluirNossa Adriana que lindo. como essas palavras tocaram fundo na minha alma.. chorei emocionada!! ♥♥♥ PARABÉNS!!
ResponderExcluirsem palavras pra esse épico
ResponderExcluirtexto incomensuravelmente épico
bem, nem sei o que te dizer, na verdade !
ResponderExcluirVocê se supera e surpreende a cada dia!
LINDO!
Oi Driih,
ResponderExcluirComo você me convidou eu vim ler sua crônica. Peço desculpas pela demora, mais é faculdade, deveres de casa, atualizações e leituras para o CJE, você deve imagina o quão corrido está por aqui.
Quando você me convidou pra ler eu aceitei de imediato e sabe porque? Porque quando você escreve você consegue tocar profundamente seu leitor. Já li muita coisa que você escrever por aqui, mais não tenho visitado muito ultimamente confesso.
Dessa vez essa crônica que fala de sonhos, medos e conselhos dos outros. Palavras que levam a reflexões muito importantes para quem ler. Será mesmo que eu acredito em meus sonhos? Acredito em mim acima de tudo?
Eu gostei da crônica, muito bem escrita. E como a Agny mesmo disse, você sempre se supera a cada dia.
Elder Koldney
Eu Adoro esse Polus, eu tinha que falar dele e dessa sabedoria dele, por mais que ele faça as coisas de uma forma meio arrogante as vezes, faz parte desse temperamento Lupino dele... Mana, com toda certeza do mundo, tu é uma das melhores escritoras do mundo, e eu tenho certeza que o Polus ama a Linka assim como eu te amo maninha!
ResponderExcluirA atmosfera de "Mundo materialista" nos transporta para um lugar mágico, e nos mostra a força da amizade entre Linka e seu mentor Polus (que nomes incríveis!).
ResponderExcluirAdriana, você é uma artista multi mídia, talentosa e muito inspirada.
Materialize seus sonhos e publique "A trilha mágica". Certamente esse livro será um sucesso editorial. Seus leitores agradecem!