01/02/2012

Mundo Materialista

Numa manhã de inverno, a chuva fina batia na janela envidraçada daquele quarto embebido de luz âmbar que vinha de um abajur da escrivaninha. Linka estava sentada, o olhar perdido em lugar algum. Seus dedos deslizavam por uma folha de caderno amarelada sobre a mesinha de cabeceira, uma caneta-tinteiro repousava ao seu lado. Polus a observava calado, a barba cobria seu rosto impiedoso. Seus olhos estavam cheios de palavras mudas, essas que Linka bem conhecia. Foi quando ela arriscou:
     - Devo abrir mão dos meus sonhos se quiser viver nesse mundo onde as coisas são reais somente se vivermos com os pés no chão. - Linka não acreditava em suas próprias palavras ao ponto de falar pausadamente cada uma delas como se de si estivessem sendo arrancado cada pedacinho da alma.
     Polus continuou a observar. Calado. Digerindo o momento, mesmo  com a resposta na ponta da língua, deixou que a amiga continuasse.
     - Eu sei que parece loucura mas é que me falaram isso hoje, que devo abrir mão de meus sonhos se quiser viver uma vida real, se quiser sobreviver a esse mundo materialista.
     O único barulho que se ouvia era da chuva contínua salpicando na janela, tudo estava em silêncio, era como se o redor espectasse, quando Polus enfim saiu de sua estadia, o barulho de seus passos entregava sua presença ao quarto. Firme, protetora, sábia...
      Aproximou-se da folha que repousava na mesinha, tomou-a e pediu para que Linka transpassasse para ela cada sonho por menor que fosse, por maior que fosse, por mais louco que fosse. Tomou a caneta-tinteiro e fez menção a ela que obediente começou a escrever um a um, sonho por sonho. Parecia em transe enquanto escrevia, suas mãos estavam firmes, decididas e seus olhos fixos no papel como se sua vida dependesse daquilo; e de fato dependia sim. Entregou a folha escrita de cima a baixo para um Polus sorridente mas contido em seu ar lupino.
     - Agora recorte cada palavra - disse ele decididamente deixando Linka ainda mais confusa - recorte cada uma e depois dobre-as uma a uma, como se fosse fazer um sorteio com elas.
     Linka obedeceu, recortou cada palavra e dobrou cada pedacinho de papel com cuidado repousando-os em seguida na mesinha cor de musgo. - E agora? - Perguntou confusa _ o que faço com eles?
     Polus respirou, aquela calma característica que dava nos nervos. O olhar de Linka não desviava do dele, queria enfim entender o por que de tudo aquilo
     - Junte-os com suas mãos, pegue-os. 
     Linka obedeceu, acolheu os pedacinhos de papel da mesa e segurou-os como ele havia pedido.
     - Agora, minha cara jovem, abra suas mãos com força.
     Linka o observou, o coração começou a acelerar, sentia-o compulsivo ao seu peito 
     -ABRA!! ESTOU MANDANDO!!!
     O eco de sua voz surtiu quente em seus ouvidos, era como se estivesse levando um soco do mundo.
     - NÃO!!! - Disse ela enfim
     - Abra agora essas mãos Linka, deixe que caiam, deixe que desapareçam debaixo do tapete, que voem pela janela, que se percam debaixo da cama. Eu estou mandando, é um conselho, por que não o está seguindo de cabeça baixa como fez quando os outros lhe "aconselharam"? Por que enfim não está me ouvindo como ouviu quando pessoas sem sonhos lhe disseram o que fazer? Por que agora você sentiu vontade de me desafiar? - Sua voz saia ameaçadora, mas ao mesmo tempo convicta, certeira - Eu sei por que, porque agora você tocou em cada um deles, você os segurou, os trouxe para si. Mas não é assim que deve agir; você não deve defender só o que pode tocar e ver, deve defender suas idéias porque elas são mais reais do que você imagina Linka, as suas ideias e ideais são o que fazem você ser o que você é e também chegar onde só você pode chegar. Acredite mais em si para que no final da vida não se arrependa de ter vivido em cima de uma mentira materialista e limitada de seres humanos comuns.
     Linka chorava, não de tristeza mas de ter ouvido tudo que mais precisava. Guardou os pedacinhos de papel na gaveta e olhou pro amigovque sorridente mostrava a luz que entrava pela janela. A chuva havia passado assim como a sua incerteza. O tempo estava alaranjado e ela pode ver seus sonhos dançando pelos ares, certos de que seriam um a um explorados até o ultimo dia da sua vida não materialista.
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(Adriana N. do Amaral)
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Crônica baseada em meu livro A TRILHA MÁGICA onde os personagens Linka e Polus fazem parte